segunda-feira, 1 de outubro de 2007

AMAR


Alguém já disse o verso que eu tinha de dizer-te
e noutro coração se apertou meu desejo,
a vida de outros homens na minha revive
como um licor antigo sobre outros lábios novos.

Amo e Amor é este que outros em si tiveram
bordado em ouros duros, tatuado em sulcos firmes,
Amor que é sempre o mesmo como o céu sempre o mesmo
o das auroras rubras e das tardes cinzentas.

A lembrança que escondo, a palavra que disse
vinham até minh' alma do fundo do tempo
e ao lançar-lhes minhas redes ásperas, terríveis,
quedaram encantadas em palavras e lembrança.

É que eu esmago as uvas de um oculto vinhedo.
Doces são teus racimos, vinhateiro invisível!
E no profundo céu da meia-noite eu vejo
escritas as palavras que não podem ser ditas.

Amor, estou alegre porque os outros te tiveram,
estou alegre, Amor, e ébrio, e alegre e triste.
Dormem por ti em minh' alma tantos sonhos remotos
que em muitas almas novas voltarão a dormir!

Pablo Neruda



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